EU E O CINEMA

27/11/2012

Luciana Vieira, ex-aluna do Santa Cecília, estuda cinema na UFC e participa de intercâmbio estudantil na França. É dela o texto carregado de afeto que reproduzimos abaixo.    

O cinema é a arte que põe o mundo em movimento. Antes, tínhamos a fotografia, a pintura. Linguagens que representavam o mundo na sua estaticidade, fazendo recortes e enquadrando-o em telas, em quadros picturais. O cinema nasceu no final do século XIX, como filho dos estudos fotográficos que, naquele momento, já ensaiavam ir mais longe e buscavam compreender o movimento do mundo. Somente a partir da fórmula de 24 frames/segundo que o cinema realmente nasce, naquela época produzido por uma máquina chamada cinematógrafo. Historicamente, datamos o nascimento do cinema no ano de 1895, numa exibição feita num café de Paris pelos irmãos Lumière. O primeiro filme exibido não durava mais do que 1 minuto, e consistia na chegada de um trem na estação, e é exatamente este nome que ele leva: “A Chegada do Trem na Estação”.

Faço esta pequena introdução sobre a história do cinema com o intuito de mostrar como a minha história se confunde com ela e talvez seja essa mesma confusão que aconteça com todos aqueles que amam essa arte e/ou que trabalham com ela.

Bem, partamos do princípio. Penso que aqueles que se aproximam desta arte que coloca o mundo em movimento, começaram gostando da arte de fotografar. São com as fotos que temos o primeiro contato com as imagens, com a constituição do “eu” enquanto imagem e do reconhecimento de mundo enquanto bidimensionalidade. Da mesma forma aconteceu comigo, minha paixão pela fotografia começou desde muito cedo, quando eu me lembro de passar horas em frente à um pequeno painel de fotos que existia no meu quarto, onde a história de vida dos meus pais se apresentava para mim.

Depois da apreciação, vem o desejo de também criar. O contato com as câmeras também começou desde cedo e posso até dizer que herdei uma paixão. Meu pai sempre gostou de fotografar e aposto que o meu gosto deve-se muito a ele. Foi ele quem me apresentou as primeiras câmeras, as primeiras regras da fotografia. Desde muito pequena tive acesso a imagens de filmagens muito antigas dos anos 50, feitas pelo meu avô, quando o registro do mundo ainda era feito por uma câmera super 8. Meu pai passava boa parte do domingo digitalizando essas imagens, as quais, ele havia herdado do seu pai, e eu, de longe, observava um pouco desse processo cuidadoso. Essas lembranças ficaram tão marcadas em mim que, aos 16 anos, meu pedido de aniversário foi uma câmera analógica. Curioso poder analisar este pedido quando lembramos que, naquela época, 2008 mais precisamente, o digital já dominava o mundo. Hoje, consigo encontrar os motivos dessa escolha. Na minha concepção, o processo de reenquadrar o mundo devia ser cuidadoso, da mesma forma que meu pai se relacionava com as suas películas antigas. A câmera analógica permitia isso, pois a restrição da película nos torna mais atentos, fotografamos com o cuidado de que aquele click pode ser o único.

Além disso, era importante e ainda mais excitante para mim a oportunidade de se aproximar dos processos mais antigos, aquele com o qual a minha herança me fazia relacionar.

Este é o primeiro nó entre a minha história e a do cinema. A herança da fotografia. Como disse no começo da conversa, o cinema foi criado por dois irmãos, Auguste e Louis Lumière. Além do curioso fato de seus sobrenomes significarem “Luz” e de ser a luz a matéria prima do cinema e da fotografia, os dois rapazes faziam parte de uma mesma família.  Como já explicitei neste depoimento, o meu primeiro contato com imagens e cinema também veio por conta da minha (nossa) família. A escolha por esta arte de imagens não deixa de ser uma herança que passa de geração em geração.

Enfim, além de todo o apoio que meu pai, meus primos fotógrafos – Sávio, Lia e Tibico – que também me ensinaram sobre fotografia ou me influenciaram com os seus talentos – me deram e me dão na minha decisão de fazer parte desse mundo do cinema, a minha relação com a família ainda se aprofunda mais. Eis que os meus mais importantes filmes, aqueles que tiveram reconhecimento e até ganharam festivais, tem como conteúdo a minha própria família. O primeiro deles, “Jaime”, o nome que leva o meu pai e o meu avô, tem como objeto principal a relação de amor entre esses dois personagens importantíssimos na minha vida. Sua sinopse já diz tudo - Jaime em francês significa “eu amo”'. É um filme ato-de-amor de pai para filho, filha para pai.

O segundo filme se chama “A Namorada do Meu Pai” e ele foi feito da mesma maneira que meu pai se relacionava com os filmes do pai dele. Vasculhando as imagens antigas do meu pai, eu encontrei um rolo de super 8 que mostrava uma de suas muitas namoradas, e o filme é isso. Assim como os Lumières no seu primeiro filme, “A Namorada do Meu Pai” não passa de 1 minuto e seu nome é tão auto-explicativo como era “A Chegada do Trem na Estação”.
Pois bem, é nessa confusão entre arte e vida que encontro no cinema e na relação com a família, um pouco mais de mim, permitindo me perder e me misturar na história de uma arte que me põe em movimento, a ponto de gerar tanto movimento que hoje estou aqui na França, o berço do cinema, tendo a oportunidade de aprofundar meus estudos e de entender um pouco mais sobre o meu próprio berço.

Matéria Publicada no Jornal O Câmara – Nov.2012

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